Em busca de entender a sociedade e o Estado em que vivemos, é interessante pensar sobre a origem de tudo isso. Não raras vezes percebemos que em alguns aspectos parecemos hoje estar regredindo a algumas características primitivas.
A partir de nossas características atuais (afinal, um grupo de seres humanos talvez tenha sido sempre um grupo de seres humanos), tentamos imaginar como teriam se organizado as primeiras tribos, clãs, etc.
Há então várias teorias possíveis, todas elas tratando da submissão de um indivíduo a outro ou de um grupo a outro grupo. São vários os fatores que podem ter levado a essa submissão, relações econômicas, religiosas, violentas, racionais e também familiares.
Dentro da Teoria da Origem Familiar há duas correntes possíveis: origem patriarcal e origem matriarcal.
De acordo com a Teoria Matriarcal “a primeira organização familiar teria sido baseada na autoridade da mãe. De uma primitiva convivência em estado de completa promiscuidade, teria surgido a família matrilínea, naturalmente, por razões de natureza fisiológica – mater semper certa. Assim, como era geralmente incerta a paternidade, teria sido a mãe a dirigente e autoridade suprema das primitivas famílias, de maneira que o clã matronímico, sendo a mais antiga forma de organização familiar, seria o fundamento da sociedade civil” (1)
Pensamos então em grupos nômades, que permaneceriam em determinado local enquanto ali obtivessem os recursos necessários para a sobrevivência. Esgotados os recursos, parte-se para um novo destino.
Os homens certamente eram os caçadores, periodicamente deixavam o grupo para se aventurar em busca de alimento. Nem sempre tinham êxito, nem sempre sobreviviam, de forma que os vínculos entre as pessoas eram extremamente frágeis, sem noções de família, monogamia e fidelidade. Logo, como as vidas dos homens eram muito instáveis, apenas mater semper certa, ou seja, só havia certeza quanto a quem eram as mães.
À medida em que fomos nos tornando sedentários, fixando uma sede para nossas vidas, a autoridade vai se tornando masculina, talvez em razão dos homens oferecerem melhor proteção contra os perigos.
Caminhou então a história, para períodos de total submissão feminina, com mulheres vistas como patrimônio de seus pais e maridos, até passarmos pela busca de direitos, notadamente a igualdade. Chegamos ao presente com mulheres obtendo grandes espaços e cargos relevantes, muitas até se masculinizando nesse intuito, enquanto outras ainda se submetem à violência doméstica e à dependência econômica de um companheiro ou de companheiros que se sucedem...
Tenho às vezes a sensação de que novamente nos encontramos na época dos nômades e dos pais incertos.
Estamos ficando cada vez mais sem raízes. Voltamos a ser nômades, vagando de emprego em emprego, cidade em cidade, buscando melhores recursos, procurando obter os meios para uma existência mais confortável. Já não ouvimos mais as histórias daquele funcionário que iniciou e terminou a vida profissional dentro da mesma empresa. Quanto maiores as cidades, mais difícil o relato de vizinhos que acompanharam a vida toda uns dos outros, vendo os filhos crescendo juntos, tornando-se quase mais próximos do que familiares. Antigamente os vizinhos cuidavam da nossa casa quando viajávamos... hoje preferimos que eles nem fiquem sabendo que deixamos a casa sozinha!
Não sabemos muito bem quem são as pessoas ao nosso redor. Estamos próximos, mas muito distantes.
A maior facilidade de transportes e comunicação nos aproximou de muitas oportunidades, nos permitiu voar ou flutuar em nuvens de informações, mas é preciso ter cuidado para não transferir isso as nossas relações, permanecendo nelas também apenas enquanto nelas obtemos os recursos necessários para que nossa existência seja mais agradável, mantendo vínculos que são apenas eternos enquanto duram (2).
Hoje, como outrora, quantos pais não são também desconhecidos de seus filhos?
Usufrui-se de uma relação enquanto prazerosa, retirando do outro o que ele tem a me oferecer, e, esgotada a novidade, abandona-se, pega-se a estrada, em busca de novos prazeres. Muitas crianças são deixadas ao longo desse caminho, com pouquíssimas certezas. Pais ausentes nas certidões e nas vidas de seus filhos. Talvez ainda remanesça a certeza da mãe, quando essa tiver condições de ser verdadeiramente mãe. É possível ainda imaginar, que com o progresso da tecnologia e retrocesso das convicções morais, logo nem sobre as mães teremos qualquer certeza...
Será a família ainda a celula mater da sociedade? Não cabe a nós apenas responder, mas agir para garantir que assim o seja.
E por aí vamos, soltos, sem raízes, sem história. Solidões que convivem, conforme bem comenta Contardo Calligaris em seus “tuites” sobre a solidão urbana(3). Se sei quem sou a partir do que me mostra o outro... não sei de mais nada!
Fica a pergunta da música: Isso lá é bom? (4)
(1) MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 28 ed. São Paulo, Saraiva: 2008. p. 63
(2) “Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.” MORAES, Vinicius de. Antologia Poética. Editora do Autor, Rio de Janeiro: 1960. p. 96.
(3) (@ccalligaris)
(4) “Ah Solidão. Foge que eu te encontro, que eu já tenho asas... Isso lá é bom? Doce solidão...” Marcelo Camelo - Sou
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