O psiquiatra britânico Adrian Raine dedicou sua vida a entender como
surge o comportamento violento. Para isso, o britânico já esteve em
cadeias de segurança máxima, onde analisou o cérebro de criminosos
perigosos e psicopatas. Também já esteve em maternidades, para estudar
quais fatores ambientais podem influenciar na formação de adultos
violentos. Hoje, ele é professor de psiquiatria e criminologia na
Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde realiza estudos em
áreas tão variadas quanto neurociência, genética e saúde pública para
dar origem a um novo ramo da ciência: a
neurocriminologia.
Adrian Raine acaba de lançar o livro The Anatomy of Violence
(A Anatomia da Violência, inédito em português), no qual descreve como
funciona o cérebro de um indivíduo violento e como uma série de
tratamentos pode prevenir esse tipo de comportamento. Em entrevista ao
site de VEJA, Raine analisa uma série de assuntos delicados, como
livre-arbítrio, maioridade penal, sistema prisional e até os protestos
no Brasil. De passagem por Porto Alegre, Raine marchou por três horas ao
lado de manifestantes até o momento em que um grupo de vândalos entrou
em confronto com a polícia. "Vandalismo, quebrar carros, roubar lojas —
isso não é atacar o governo, mas atacar os cidadãos do Brasil. Penso que
essas pessoas têm não só uma razão política para sua violência, mas uma
razão biológica."
O cientista acredita que um dia será possível
prever quem tem maiores chances de cometer um crime
apenas por meio de imagens de seu cérebro. Mas adverte que esse cenário
exigirá cautela: "Até porque minhas imagens cerebrais se parecem com a
de um criminoso que matou 64 pessoas — eu tenho o cérebro de um
serial killer".
Como a neurocriminologia pode ajudar a explicar os casos extremos de violência? A
neurocriminologia é uma nova disciplina que estou começando a
desenvolver nos Estados Unidos, que envolve a aplicação de técnicas da
neurociência para entender as causas do crime. Nós tentamos juntar tudo
que aprendemos nos últimos anos — na genética, técnicas de imagem
cerebral, neuroquímica, psicofisiologia e neurocognição — para explicar
porque algumas pessoas crescem para se tornar criminosos violentos.
Queremos entender o cérebro por trás não só dos criminosos comuns, mas
também o de psicopatas, criminosos de colarinho branco e homens que
batem em suas esposas. Nós estudamos todo o leque de comportamento
antissocial e observamos que, não importa a forma, existe uma base
biológica para todos eles.
Todas essas formas diferentes de violência têm a mesma base cerebral?
Há diferenças. Por exemplo, minha equipe estudou psicopatas — os
criminosos que não têm empatia nem remorso. Já sabíamos que eles têm um
baixo funcionamento da amígdala, o centro emocional do cérebro. Nossa
pesquisa mostrou ainda mais: que nesses indivíduos a estrutura física
dessa área é 18% menor do que no resto da sociedade. Com o centro
emocional reduzido e sem funcionar direito, os psicopatas passam a não
sentir medo. É por isso que eles quebram as regras da sociedade – pois
não têm medo da punição. Quando estudamos homens que batem em suas
esposas, no entanto, descobrimos que suas amígdalas são muito ativas,
mas o córtex pré-frontal não funciona direito. O córtex pré-frontal é a
área que regula as emoções. Nossa conclusão é que a alta atividade da
amígdala resulta em reações exageradas a estímulos leves, como receber
críticas da esposa — o que os deixa mais agressivos. Esses homens que
respondem exageradamente aos estímulos não possuem os recursos
cognitivos para controlar essa emoção. São formas diferentes de
comportamentos antissociais, com tipos diferentes de predisposições
biológicas.
Como se explica que problemas em áreas cerebrais específicas possam levar a comportamentos violentos? Quando
temos de tomar uma decisão moral e pensamos em quebrar a lei (e todos
nós já pensamos em fazer algo errado), ficamos ansiosos, com um pouco de
medo. Esse é o freio de emergência que nos impede de quebrar as regras
da sociedade. Mas esse freio não funciona direito nos psicopatas. Eles
sabem o que é certo e errado, mas não têm o sentimento correspondente. E
é esse sentimento, e não o conhecimento, que nos faz frear nosso
impulso. Isso traz uma questão que me fascina. Como os psicopatas têm o
motor emocional quebrado — e eles não têm culpa de possuírem essa
disfunção —, será correto culpá-los e castigá-los por seu comportamento?
Essa é uma questão que teremos que discutir no futuro.
Todo o comportamento violento pode ser explicado por disfunções no cérebro?
Na verdade, encontrar as causas da violência é muito mais complexo do
que isso. Só agora estamos começando a identificar com segurança quais
as áreas cerebrais que, se prejudicadas, aumentam as taxas de violência.
Mas esse é um quebra-cabeça com muitas peças. A amígdala é uma peça, o
córtex pré-frontal é outra peça, e certamente há outras áreas cerebrais
envolvidas. Mas também há outros tipos de peças. Não é só a biologia. Os
fatores sociais também são importantes. Desemprego, pobreza,
preconceito racial, maus tratos paternos e más condições de habitação e
educação têm seu papel nisso — e inclusive podem afetar o
desenvolvimento cerebral. Acontece que por décadas os pesquisadores têm
estudado só essas peças sociais. Agora estamos descobrindo as peças
biológicas do quebra-cabeça. O próximo desafio é colocar essas peças
juntas.
Como essa técnica pode explicar a violência que irrompe em protestos, por exemplo? Pense nos manifestantes que vão às ruas no Brasil. Muitos deles são pacíficos. Eu fui a uma manifestação em Porto Alegre (o pesquisador esteve no Brasil no final de junho)
e marchei com a população por três horas. Todos estavam tranquilos,
muito organizados, não vi nenhum tipo de comportamento antissocial. Mas
por volta das 21 horas, gás lacrimogênio foi disparado pela polícia e eu
decidi que era hora de ir embora. Depois, fiquei sabendo que uma
pequena minoria ficou por ali e praticou atos obviamente antissociais.
Vandalismo, quebrar carros, roubar lojas — isso não é atacar o governo,
mas atacar os cidadãos do Brasil. Se eu pudesse analisar o cérebro
dessas pessoas, provavelmente veria que eles tinham uma baixa função da
amígdala, a parte responsável pela consciência, remorso, culpa e medo.
Penso que essas pessoas têm não só uma razão política para sua
violência, mas uma razão biológica.
Mas nesse caso, as pessoas não podem estar agindo por pressão do grupo? Seguindo um comportamento de manada? Sim,
a situação social é importante nesse tipo de comportamento. Mas repare
que, mesmo com esse estímulo do grupo, só algumas pessoas quebram a lei.
A maioria decide fugir.
Divulgação/ University of Southern California
Adrian Raine esteve no Brasil para participar do Congresso Mundial de
Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em São Paulo, onde conversou
com o site de VEJA
Em seus estudos, o senhor descobriu outros fatores que podem influenciar o comportamento violento? Minha
equipe fez diversas pesquisas. Algumas se focam em fatores no começo da
vida que afetam o desenvolvimento da criança. Por exemplo, mães que
fumam ou bebem durante a gravidez — suas crianças têm de duas a três
vezes mais chances de se tornarem adultos violentos. Estudamos crianças
que tiveram problemas de parto ou pouca nutrição durante a gravidez, o
que pode danificar sua estrutura cerebral. Também pesquisei outra área
interessantíssima. Pessoas que possuem uma baixa frequência cardíaca
quando estão em repouso têm uma probabilidade maior de agir
agressivamente. Essa pesquisa foi replicada com êxito em muitos países.
Isso acontece porque, quando alguém vai a um laboratório, para medir sua
pulsação, isso causa um pouco de stress. Sua pulsação, normalmente
acelera. Pessoas cuja pulsação não responde minimamente a stress não têm
medo e, por isso, podem cometem mais crimes ou se envolver em brigas
nas ruas.
Existe uma predisposição genética para a violência? O
que nós já sabemos é que cerca de 50% da variação nas taxas de violência
pode ser atribuída a fatores genéticos. Toda uma geração de pesquisas,
realizada com irmãos gêmeos e filhos adotivos, mostrou que os fatores
hereditários são, sim, importantes. A próxima geração de pesquisas é a
molecular, que já começa a identificar quais os genes envolvidos. Até
agora o mais estudado é o gene da monoamina oxidase A (MAOA), que,
quando produz uma baixa quantidade de sua enzima, atrapalha o
funcionamento de neurotransmissores. Indivíduos com essa mutação são
particularmente suscetíveis ao comportamento antissocial, principalmente
quando sofrem abusos na infância. Mas é muito importante destacar que
nunca vamos descobrir um gene que seja, sozinho, responsável pela
violência. Descobriremos vários, que serão associados a muitos outros
fatores sociais. O ambiente também é importante por alterar o modo como
os genes funcionam. O DNA é fixo, mas o modo como ele se expressa — e
como afeta o cérebro — pode ser alterado pelo ambiente.
O ambiente pode explicar, por exemplo, a diferença entre a taxa de violência no Brasil e no Japão?
Sim. Além de todos os fatores ambientais já citados, há muitos outros
que podem fazer um país ser mais violento que outro. Os Estados Unidos,
por exemplo, tem um alto índice de índice de assassinatos também por
causa da grande disponibilidade de armas. Existe outro fator bem
interessante do qual falo em meu livro. Nele, eu estudo 26 países e
analiso como o consumo de peixes em cada local se relaciona com o índice
de homicídios. No Japão, onde as pessoas consomem uma imensa
quantidade, os índices são muito baixos. Em países do leste europeu, com
baixo consumo de peixe, as taxas de homicídio são altas. Isso acontece
porque o peixe possui ômega 3 — um ácido graxo de cadeia longa, que é
vital para a estrutura cerebral e seu bom funcionamento. Ele também
regula a expressão dos genes e o funcionamento dos neurotransmissores.
Nossas pesquisas mostram que um cérebro disfuncional pode levar a um
comportamento disfuncional. E um modo de melhorar o funcionamento
cerebral pode ser simplesmente a alimentação com peixe.
O senhor está dizendo que aumentar o consumo de peixe pode diminuir as taxa de homicídio em um país? Em
parte, sim. O caso do ômega 3 é interessante para pensarmos no
desenvolvimento de novos tratamentos. Duas pesquisas já mostraram que
dar óleo de peixe para prisioneiros pode reduzir o número de crimes
cometidos na cadeia em até 35%. O primeiro desses estudos foi feito na
Inglaterra e replicado na Holanda. Minha equipe realiza estudos com
crianças, que também mostram que fornecer ômega 3 para pessoas de 8 a 16
anos ajuda a reduzir a agressão e o comportamento antissocial nessa
fase da vida. Há uma mensagem por trás disso: biologia não é destino.
Nós podemos mudar os fatores de risco que dão origem ao comportamento
agressivo.
Então o comportamento violento pode ser prevenido? Nós
sabemos que, se pudermos melhorar o funcionamento do cérebro, podemos
melhorar o comportamento. E existem estudos que colocaram isso em
prática. Em um deles, enfermeiras visitaram mães durante sua gravidez e
nos dois primeiros anos de vida da criança. Elas aconselhavam as
mulheres a parar de beber e fumar, ensinavam qual a nutrição adequada,
mostravam as necessidades psicológicas dos bebês. Ao comparar o
resultado dessas crianças com o de um grupo de controle, que não recebeu
as visitas, os pesquisadores descobriram que a delinquência juvenil
caiu pela metade. Nós fizemos um estudo com crianças de três anos, no
qual fornecemos uma melhor nutrição, mais exercícios físicos — que
resultam no desenvolvimento de novas células nervosas — e exercícios
cognitivos durante dois anos. Oito anos depois, essas crianças tinham
melhores funções cerebrais, elas estavam mais alerta e atentas e seus
cérebros pareciam ser pelo menos um ano mais maduros do que o grupo de
controle. Não é só isso: seguimos essas crianças até os 23 anos e vimos
uma redução de 34% no número de infrações penais. Há uma última técnica
que pode ser útil, que é a meditação. Estudos mostram que ela melhora o
funcionamento do lóbulo pré-frontal — uma área cerebral que sabemos
estar disfuncional em indivíduos violentos. Essa técnica ainda não foi
testada em prisioneiros. Isso porque os cientistas relutam em reconhecer
que existem bases cerebrais para o comportamento violento. Espero que
meu livro abra as portas para esse novo campo de pesquisas.
Então é possível tratar até o cérebro de adultos? Nós
sabemos que nunca é cedo demais para intervir no caso de crianças e
nunca é tarde demais para tratar os adultos. Os estudos com ômega 3
mostram isso. O cérebro é um órgão muito plástico.
Do ponto de vista da neurociência, quando o cérebro está maduro e a pessoa pode ser julgada como um adulto? Essa
questão é bastante debatida em todo o mundo. O que sabemos é que o
cérebro humano não está completamente maduro até os 20 anos. Os
adolescentes de 15 e 16 anos são impulsivos, não controlam suas emoções,
porque seu córtex pré-frontal não está completamente desenvolvido. Em
alguns casos, ele demora até os 30 anos para se desenvolver, e sabemos
que disfunções nessa região são encontradas em criminosos. Acho que faz
sentido levar em conta o desenvolvimento cerebral para analisar
conceitos como a responsabilidade penal, mas não existe uma linha
mágica. Há pessoas de 19 anos com cérebros funcionando como o de
indivíduos de 16 anos, mas também existem pessoas de 15 com cérebro de
20. No futuro, poderemos usar outras medidas de maioridade neural, que
usem imagens cerebrais para analisar se uma pessoa é responsável por seu
comportamento. Mas é claro que hoje temos de ser práticos e decidir uma
idade de corte. Nesse caso, fixá-la em 18 anos não me parece ruim.
Videoteca básica
Minority Report
Uma força policial capaz de prever quem vai cometer crimes e agir antes que eles aconteçam é o tema do filme
Minority Report,
de 2002 (baseado num conto homônimo do autor de ficção científica
Philip K. Dick, escrito em 1956). A história se passa nos Estados
Unidos, em 2045. O sistema parece funcionar perfeitamente — a cidade
passa anos sem registrar nenhum homicídio — até que um dos policiais
responsáveis por prevenir os crimes (interpretado por Tom Cruise) é
apontado o próximo assassino.
Diretor: STEVEN SPIELBERG
O sistema judiciário pode usar imagens cerebrais para julgar alguém ou prever suas chances de cometer crimes?
É possível, mas nós ainda não podemos colocar isso em prática.
Pesquisas iniciais, feitas neste ano, mostraram que imagens cerebrais
ajudam a prever melhor quais criminosos podem voltar a cometer atos
violentos nos próximos três ou quatro anos. Atualmente, a justiça usa
fatores demográficos como idade, gênero, emprego e histórico para prever
quais indivíduos são mais perigosos. Os juízes têm de fazer isso o
tempo todo, quando decidem se condenarão alguém a trabalhos comunitários
ou à cadeia. As técnicas de imagem cerebrais estão começando a nos dar
mais informações que podem ajudar a saber se determinado indivíduo é um
perigo para a sociedade.
O senhor não tem medo que isso leve a algum tipo de abuso, com indivíduos sendo presos por causa de seu perfil cerebral? Na verdade, sim – como no caso do filme Minority Report.
Nele, a polícia impede os crimes antes que aconteçam. Um grande medo
que tenho é que no futuro usemos a genética, as imagens cerebrais e
outros fatores neurobiológicos para prever a violência e aprisionar as
pessoas antes mesmo de elas cometerem qualquer crime. Isso me preocupa.
Até porque minhas imagens cerebrais se parecem com a de um criminoso
que matou 64 pessoas — eu tenho o cérebro de um serial killer.
Além disso, tenho outros fatores biológicos para o crime, como baixa
pressão sanguínea, e tive problemas de nutrição e no parto. Se esse
cenário acontecer o futuro, eu seria um dos primeiros a ser preso. Acho
que devemos tomar muito cuidado nessa área. Existe uma tensão entre
proteger as liberdades civis — e não prender ninguém por probabilidade —
e a necessidade de proteger a sociedade. Essa é a tensão que teremos
de enfrentar no futuro.
O senhor falou sobre a influência do cérebro, da genética e do ambiente no comportamento. Onde fica o livre-arbítrio?
Esse é outro desafio da minha área de pesquisas que costuma deixar
muitas pessoas desconfortáveis. Pense em um bebê inocente, cuja mãe
fumou e bebeu na gravidez, que teve uma nutrição ruim e problemas no
parto, com genes que podem resultar em mau comportamento, com problemas
de habitação e de educação durante seu desenvolvimento. Nós sabemos que
essa criança tem muito mais chances de se tornar um adulto violento. Uma
pergunta que surge a partir disso: será que essa pessoa tem
livre-arbítrio? Ela é responsável por seus atos? Em meu livro, eu digo
que o livre-arbítrio é reduzido em algumas pessoas, logo no começo de
suas vidas, por influências que estão além de seu controle. O
livre-arbítrio tem vários tons: a pessoa pode ter total livre-arbítrio,
pouco, ou quase nenhum. Acho que devemos levar isso em conta no sistema
judicial, na hora de punir as pessoas. Existe um caso real de um
indivíduo que teve um tumor em seu córtex pré-frontal que o transformou
num pedófilo. Os médicos retiraram o tumor, e seu comportamento voltou
ao normal. Será que ele era tão responsável por seus atos quanto alguém
que fez a mesma coisa e não tinha o tumor? Essa é a dificuldade e a
tensão desse campo de estudos, e elas não serão superadas de modo fácil.
Em um nível, é importante reconhecer os fatores de risco que conspiram
para diminuir o livre-arbítrio. Mas também temos de levar em conta a
igualdade e a justiça, buscando uma lei igual para todos. Não tenho
respostas no momento. Esse é um debate aberto.
A ciência pode explicar a crueldade?
Novas
pesquisas mostram como alterações nas funções cerebrais, causadas pela genética
e pelo ambiente, podem levar ao comportamento violento
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-ciencia-pode-explicar-a-crueldade/
Por: Guilherme Rosa04/05/2013 às 17:02 - Atualizado em 04/05/2013 às 17:02
A falta de empatia pode ser explicada por
alterações no funcionamento de determinadas áreas cerebrais. Mas será que isso
tira a responsabilidade do indivíduo na hora de apertar o gatilho?(Thinkstock/VEJA)
Nas últimas semanas, uma série de crimes desumanos
chamou a atenção da sociedade brasileira. Casos como o da dentista
queimada dentro de seu consultório em São Bernardo do Campo
ou o da turista
estuprada oito vezes dentro de uma van no Rio de Janeiro
chocam pela extrema crueldade com que os criminosos trataram suas vítimas e
levantam questões sobre como esse tipo de comportamento é possível. O que leva
alguém a deixar qualquer resquício de empatia de lado e agir de modo tão sádico
com outro ser humano?
As discussões sobre os motivos que levam um
indivíduo a agir violentamente costumam ser polarizadas entre duas posições
radicais, ideologicamente opostas. De um lado, alguns defendem que o comportamento
cruel é uma questão de caráter. Os criminosos seriam naturalmente ruins e, por
isso, irrecuperáveis. Do outro lado, alguns defendem que os indivíduos
violentos são apenas vítimas do ambiente em que cresceram, traumatizados por
uma sociedade desigual e insensível. As pesquisas mais recentes mostram, no
entanto, que a crueldade é mais do que apenas uma questão de maldade inata ou
de traumas de criação. Na verdade, um novo campo de estudos - a
neurocriminologia - mostra que o comportamento violento tem uma série de
fatores que se originam em um único lugar: o cérebro humano.
Em 2008, pesquisadores do Instituto Nacional de
Saúde Mental dos Estados Unidos revisaram uma série de estudos que usaram
exames de ressonância magnética para analisar o cérebro de indivíduos
violentos. Como resultado, descobriram que disfunções em duas áreas cerebrais
ligadas às decisões morais podem estar associadas a esse tipo de comportamento.
Uma delas é a amígdala, área ligada à resposta aos perigos. Um estudo de 2009
mostrou, por exemplo, que os psicopatas têm a região 18% menor do que os outros
indivíduos. A outra disfunção detectada na pesquisa é a baixa atividade do
lóbulo frontal do cérebro, região associada à regulação dos comportamentos
impulsivos. Um grande número de casos clínicos mostrou que ferimentos nas partes
inferiores dessa área podem levar a sérias alterações de comportamento.
Um estudo publicado este ano mostrou que outra
região - o córtex singulado anterior - também está associada a crimes
violentos. A partir de exames de ressonância magnética, os pesquisadores
conseguiram mostrar que ex-detentos com
baixa atividade na área têm duas vezes mais chances de serem presos novamente.
Com as técnicas cada vez mais avançadas de imagem cerebral, os pesquisadores
estão conseguindo mostrar quais alterações podem levar um indivíduo a ser
extremamente cruel. Falta mostrar o que causa essas alterações.
Anjinhos e demônios - Muitas vezes, o comportamento antissocial
pode vir desde o berço. Uma pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista Current
Biology mostrou que crianças com graves problemas de conduta, que
incluem agressão, roubo e crueldade, não reagiam à dor alheia do mesmo modo que
as outras. Ao serem expostas a imagens de outras pessoas sofrendo, as áreas
cerebrais associadas à empatia eram ativadas de forma menos intensa, como se o
sofrimento dos outros pouco lhes importasse.
Um estudo clássico de 1984, publicado na revista Science,
mostrou claramente que existe, sim, um componente genético nos comportamentos
violentos. Os pesquisadores analisaram o histórico de 14.000 indivíduos que
foram criados por pais adotivos. Eles descobriram que aqueles que eram filhos
biológicos de pais com histórico criminal tinham muito mais chances de cometer
crimes quando adultos - mostrando que a influência genética poderia ser mais
importante do que educação familiar.
Após a publicação desse estudo, dezenas de outras
pesquisas, em sua maioria com gêmeos idênticos, mostraram que o comportamento
violento é em grande parte hereditário. Pesquisadores já começaram a
identificar algumas mutações genéticas que podem estar relacionadas a esse tipo
de personalidade, como as que atingem os genes COMT, 5-HTT ou MAOA. O último,
por exemplo, está associado à produção da proteína monoamina oxidase A, que,
quando em pequenas quantidades, provoca uma redução da amígdala cerebral.
Os cientistas deixam claro, no entanto, que não dá
para culpar o DNA por toda a crueldade vista no mundo. Em 2010, o pesquisador
Christopher Ferguson, da Universidade Internacional do Texas A&M, realizou
uma revisão de 38 estudos sobre as raízes da violência feitos com gêmeos e
crianças adotadas. Ao resumir os resultados, ele calculou que 56% das variações
no comportamento antissocial poderiam ser explicadas pela genética. O resto deveria
ser debitado ao ambiente. "A mais importante lição que a ciência pode nos
dar é que não devemos discutir se é uma questão de natureza ou criação. É uma
questão de natureza e criação", diz Tracy Gunter, psiquiatra da
Universidade de Indiana, que também realizou uma revisão dos estudos da área.
Traumas - Historicamente,
uma série de pesquisas mostrou que agressões e traumas sofridos
na infância podem alterar o cérebro e o comportamento do
indivíduo, deixando-o menos sensível à dor alheia e mais propenso à violência.
"O ambiente fornece uma série de elementos estressantes que, se não forem
exagerados, podem nos ajudar a crescer. Mas, se forem muito grandes, nós
podemos passar a exibir problemas no modo como nos desenvolvemos e interagimos
com esse mesmo ambiente", diz Tracy Gunter.
Uma pesquisa conduzida por Gunter em 2012 analisou
o passado de 320 presidiários. Aqueles que haviam sofrido algum tipo de abuso
na infância possuíam uma tendência maior a desenvolver comportamentos
antissociais e psicóticos - assim como um risco maior de suicídio.
É claro que nem todos que passam por situações
traumáticas desenvolvem algum tipo de comportamento antissocial. Muitos superam
seus problemas e são capazes de levar uma vida normal. Nem a genética e nem o
ambiente explicam 100% da crueldade- ela surge a partir da interação complexa
desses fatores. Um estudo publicado em 2007 na revista PLos ONE,
por exemplo, mostra que eventos traumáticos sofridos nos primeiros quinze anos
de vida costumam ser superados sem desencadear grandes distúrbios. No entanto,
quando esses traumas acontecem em indivíduos com baixa atividade no gene MAOA,
eles se tornam um grande fator de risco para o comportamento antissocial.
"Uma teoria plausível é que, na presença de uma quantidade menor da
proteína do MAOA, o cérebro se torna mais sensível ao stress, principalmente
durante o período de desenvolvimento", diz Gunter.
Saiba mais
EPIGENÉTICA
É o nome que se dá para as mudanças que acontecem
nos genes sem, no entanto, alterar o código genético de um indivíduo. É
diferente de uma mutação. Em uma mutação, o código genético é alterado. Já a
mudança epigenética só altera a forma como um gene funciona. Essa mudança pode
ser causada por fatores ambientais, como poluição ou mesmo pela prática de
exercícios, e pode ser passada para as gerações seguintes.
Outro estudo publicado no ano passado no periódico The
British Journal of Psychiatry mostrou outros fatores de risco que,
quando associados à mutação no MAOA podem levar ao comportamento violento, como
QI baixo, má educação e o fato de a mãe ter fumado durante a gravidez.
"Nós temos entendido cada vez mais como o genoma é regulado, através do
estudo da epigenética. Muitos fatores podem estar associados com mudanças que
afetam as funções dos genes, como o consumo de álcool, desnutrição e stress
ambiental", afirma a pesquisadora.
Contra o determinismo - Os pesquisadores destacam que essas conclusões
não significam que os indivíduos não são responsáveis por seus atos. Por mais
que existam fatores genéticos e ambientais que possam influenciar algum tipo de
comportamento, o ser humano é, na maioria das vezes, livre para agir. "Há
décadas, ou até séculos, sabemos que nossas escolhas são restritas por fatores
que estão além de nosso controle. Isso não significa, no entanto, que não
tenhamos a liberdade de escolher", diz Gunter.
Em alguns casos, principalmente naqueles em que
algum tipo de insanidade é diagnosticada, os fatores biológicos podem realmente
se sobrepujar à capacidade de escolha do indivíduo. Em outros, a decisão de
agir de maneira cruel tem pouca ou nenhuma influência genética ou ambiental.
"No entanto, para a maioria de nós, o ambiente e a biologia vão existir em
algum ponto entre esses dois extremos. Esse é um campo de estudos sobre a
complexidade, e não o reducionismo."