quinta-feira, 26 de junho de 2014

VIDA REAL LEGAL - Direito de Arrependimento e as compras pela internet



Artigo publicado no Diário de Guarapuava de 24 de junho de 2014
 



“Nesse crescimento e ampliação, na medida em que se torna necessário avançar objetiva e subjetivamente para proteger o ser humano contra as agressões antijurídicas, os direitos vão compreendendo cada vez mais objetos e estendendo-se a cada vez mais sujeitos.” (Sérgio Resende de Barros).

O Direito do Consumidor é mal compreendido por parecer uma proteção unilateral, ou seja, só para o consumidor. Para superar essa visão é necessário encontrar o ponto central da criação desses direitos, para perceber finalmente que se trata de direito bilateral.

O núcleo do Direito do Consumidor está justamente nos Direitos Humanos, portanto, mais do que proteger uma certa parcela da população, está fundado em ideal muito mais amplo qual seja, proteger a pessoa humana.

Historicamente os Direitos Humanos surgiram como freio ao poder do Estado Absolutista, para o Estado também deveriam existir normas (direitos e deveres), protegendo o homem dos mandos e desmandos dos monarcas. Esse momento é chamado de 1ª geração de Direitos Humanos.

Com o Estado mais “domesticado” e com a ascensão da burguesia, tem início o crescimento das indústrias e com elas o aumento das jornadas de trabalho, a diminuição da qualidade de vida, a exploração como meio de ampliar o lucro. O panorama da época foi uma grandiosa desigualdade social e o nascer de um monstro descontrolado, o Capitalismo Moderno.

Diante da miséria absoluta de uns para o enriquecimento de outros, o Papa Leão XIII escreve a encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas), onde trata do tema questão social.

A questão social é uma nova forma de analisar a igualdade, ela apresenta o tema em duas dimensões, uma formal (igualdade perante a lei) e outra material (igualdade de fato, de condições de vida).

Como tentativa de segurar o capitalismo brutal surgem movimentos socialistas (meio), com intuito de formar um Estado Comunista (fim). Estes Estados sociais (principalmente Alemanha e Rússia) acabam por transformar o socialismo em totalitarismo, e assim, mesmo que sem querer, acabam por demonstrar que ainda que o capitalismo seja vil, reserva ao cidadão mais liberdade que os mandos e desmandos dos déspotas. O capitalismo acaba encontrando um terreno ainda mais fértil de exploração.

Ainda que o Socialismo tenha se mostrado falho, a ideia de um Estado Social (questão social) permanece e inaugura a 2ª geração de Direitos Humanos, reconhecendo que não somos iguais em condições de vida, devendo ser despendido tratamento diverso e preferencial para os hipossuficientes, a fim de possibilitar que se igualem aos demais.

Rui Barbosa foi um dos primeiros autores brasileiros a trabalhar com direitos econômicos sociais e culturais, citando a igualdade material e os      hipossuficientes.

Nesse mesmo caminho surge a 3ª geração de Direitos Humanos, funcionando como uma ampliação da 2ª geração. Enquanto a segunda se destina a certas categorias (categorial), a 3ª é difusa, pois visa atingir a coletividade (número indeterminado de seres humanos).

O Direito do Consumidor é tanto de 2ª como de 3ª geração de Direitos Humanos, pois ao mesmo tempo que busca “igualar a balança” da relação de consumo (entendendo o consumidor como categoria hipossuficiente), também se destina a qualificar estas relações, atingindo a todos os seres humanos.
Um exemplo da importância e atualidade dessa matéria, bem como da sua bilateralidade, é o Direito de Arrependimento.

O direito de arrependimento é pouquíssimo conhecido, quase não utilizado, apesar de ser muito caro às nossas relações de compra e venda atuais.

Hoje é possível comprar praticamente tudo pela internet, desde livros, roupas, até combustível. O telefone também se tornou uma forma de vender e comprar produtos, diariamente somos tentados a comprar aquele eletrodoméstico de última geração que acabará com os problemas de casa, mas temos que ser um dos 100 primeiros, caso contrário não ganharemos o super brinde!

Mas e se o produto vier com defeito? E se o produto que chegar não for exatamente o que a propaganda mostrava? E se as dimensões que estavam no site estiverem erradas e não servir no espaço planejado? E se eu não gostar?

Para solucionar a maioria desses “E SE”, o CDC traz em seu artigo 49 a seguinte redação: “Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.

Isso é o Direito de Arrependimento. Segundo essa possibilidade, o consumidor tem direito de não aceitar, dentro de 07 dias, o produto que recebeu. Não precisa ficar demonstrado defeito, falha, vício, o produto pode estar em perfeitas condições, mas simplesmente não se adequar àquilo que o consumidor esperava.

Um dos requisitos básicos para que o consumidor possa se valer desse “benefício” é que o produto tenha, obrigatoriamente, sido adquirido fora da loja física, isso porque na loja terá acesso ao produto, podendo fazer juízo de valor pela análise. Análise mal feita é culpa do consumidor e não do estabelecimento comercial.

É de suma importância que o consumidor saiba que uma vez arrependido, é dever do vendedor receber o produto, bem como reembolsar o consumidor de tudo que foi gasto com frete e demais despesas adicionais.         
A bilateralidade do direito é observada tanto para o consumidor, que tem uma ferramenta de segurança a seu dispor, como para o comerciante, que fica ciente dos riscos da venda nas lojas virtuais, bem como dos bônus nas transações na loja física (impossibilidade de arrependimento).

Sempre que qualquer problema ou dúvida surgir, o consumidor e também os comerciantes e empresários têm um órgão específico para lhes socorrer, que é o PROCON. Aqui em Guarapuava ele fica Rua Saldanha Marinho, 2837 - Bairro dos Estados; Fone (42) 3621-4590.

Envie suas sugestões à coluna Vida Real Legal pelo email: vidareallegal@hotmail.com.


Rudy Heitor Rosas
Professor de Direito na Faculdade Campo Real

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