sábado, 16 de outubro de 2010

Também trabalha ou só dá aula?


Quantos de nós professores já não ouviram esta pergunta?
Eu normalmente respondo que na maior parte do tempo realmente não trabalho, só me sinto realmente trabalhando quando preparo e corrijo provas e quando preciso preencher livros de chamada...
O resto? O resto é diversão!
Durante alguns anos fui advogada e professora. Aos poucos fui sentindo que me realizava mais como professora do que advogando, e ao me sentir melhor com o trabalho, me pareceu que os resultados eram também melhores e decidi: vou parar de trabalhar e ser professora.
Até hoje ainda sou questionada por essa escolha: mas você nunca mais vai advogar? Não. Não quer fazer nenhum concurso? Não.
Que alegria e que privilégio é poder escolher a vida que se quer ter. Eu escolhi e a tenho. Não canso de agradecer, a Deus, aos meus pais, aos meus empregadores, e principalmente aos meus alunos.
Apesar de ontem termos comemorado o Dia dos Professores, hoje é para isso que escrevo este pequeno texto: para agradecer aos meus alunos por me permitirem diariamente o exercício da profissão que escolhi.
Obviamente há altos e baixos. Não raras vezes saí de sala pensando: “Quem foi o louco que disse que você poderia ser professora Patricia?” Há toda a desvalorização, desrespeito e todo o mimimimimimi que professores costumam desfiar por aí. (1)
 
Se for para trabalhar só por dinheiro, sinceramente, não seja professor.
Não digo isso porque considere a remuneração muito baixa, mas sim porque acredito que ofício algum deve ser exercido só com vistas ao retorno financeiro, mas quando se trata de ser professor, isso é mais grave ainda.
Quem trabalha só por dinheiro provavelmente ganha mais do que merece.
Ser professor é lidar todos os dias com o sonho alheio, incentivar projetos de vida, descobrir talentos, emancipar pessoas, sugerir caminhos... Quanto vale fazer isso? Quanto mereceria receber o professor que efetivamente consegue cumprir tal missão?
O verdadeiro professor se sentirá compensado por todas as horas fora de sala de aula, estudando, preparando, corrigindo, planejando, quando percebe as mudanças nos seus alunos, quando percebe que alguém vê a vida com um pouco mais de clareza em razão de algum comentário em sala de aula, quando acompanha uma discussão entre alunos sobre algum ponto de sua matéria, quando vê um aluno orgulhoso por se tornar aquilo que ele sempre foi, por se tornar um ser humano mais completo.
É por isso e muito mais que sou feliz por ser professora e quero continuar me esforçando para um dia me parecer um pouquinho com a descrição de professores apaixonas feita pelo Gabriel Perissé (2) no texto abaixo.
Professores e professoras apaixonados acordam cedo e dormem tarde, movidos pela idéia fixa que podem mover o mundo. Apaixonados, esquecem a hora do almoço e do jantar: estão preocupados com as múltiplas fomes que, de múltitplas formas, debilitam as inteligências.
As professoras apaixonadas descobriram que há homens no magistério igualmente apaixonados pela arte de ensinar, que é a arte de dar contexto a todos os textos. Não há pretextos que justifiquem, para os professores apaixonados, um grau a menos de paixão, e não vai nisso nem um pouco de romantismo barato. Apaixonar-se sai caro!
Os professores apaixonados, com ou sem carro, buzinam o silêncio comodista, dão carona para os alunos que moram mais longe do conhecimento, saem cantando o pneu da alegria. Se estão apaixonados, e estão, fazem da sala de aula um espaço de cânticos, de ênfases, de sínteses que demonstram, pela via do contraste, o absurdo que é viver sem paixão, ensinar sem paixão.
Dá pena, dá compaixão ver o professor desapaixonado, sonhando acordado com a aposentadoria, contando nos dedos os dias que faltam para as suas férias, catando no calendário os próximos feriados.
Os professores apaixonados muito bem sabem das dificuldades, dos desrespeitos, das injustiças, até mesmo dos horrores que há na profissão. Mas o professor apaixonado não deixa de professar, e seu protesto é continuar amando apaixonadamente.
Continuar amando é não perder a fé, palavra pequena que não se dilui no café ralo, não foge pelo ralo, não se apaga como um traço de giz no quadro. Ter fé impede que o medo esmague o amor, que as alienações antigas e novas substituam a lúcida esperança.
Dar aula não é contar piada, mas quem dá aula sem humor não está com nada, ensinar é uma forma de oração. Não essa oração chacoalhar de palavras sem sentido, com voz melosa ou ríspida. Mera oração subordinada, e nada mais.
Os professores apaixonados querem tudo. Querem multiplicar o tempo, somar os esforços, dividir os problemas para solucioná-los. Querem analisar a química da realidade. Querem traçar o mapa de inusitados tesouros.
Os olhos dos professores apaixonados brilham quando, no meio de uma explicação, percebem o sorriso do aluno que entendeu algo que ele mesmo, professor, não esperava explicar.
A paixão é inexplicável, bem sei. Mas é também indisfarçável.
(2)   Doutor em Filosofia da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), com a tese "Filosofia, ética e literatura: a proposta pedagógica de Alfonso López Quintás" (2003). Mestre em Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), com a dissertação "Carlos Nejar: uma admiração problemática" (1989). Bacharel em Letras (Português e Literaturas Brasileira e Portuguesa) pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985). (www.perisse.com.br)

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